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Title: Godx Deity Artist: Henrique Vieira Filho

Arteterapia Junguiana: Da Educação Das Emoções Ao Processo De Individuação

Trata-se de um artigo que tem como foco compreender como a prática da arteterapia sob o viés junguiano contribui para a educação socioemocional, a relação do sujeito com a prática artística elaborada; estruturada, e com intencionalidade terapêutica. 

O desenvolvimento da criatividade e a expressão simbólica livre do sujeito, trabalhada na arteterapia, reverbera positivamente no processo de integração das áreas neurológica, cognitiva, afetiva e emocional. 

O estudo objetiva refletir sobre o processo de individuação e de autoconhecimento, campos subjetivos que a arteterapia proporciona ao sujeito por meio da imersão arteterapêutica, enquanto possibilitadora de expressão da alma, tem como fundamentação teórica nas contribuições da psicologia analítica; com ênfase na simbologia da expressão. 

Ressalta sobre importantes mecanismos mediadores de instrumentalidade artística plástica para o processo arteterapêutico, que favorecem o desenvolvimento socioemocional, cognitivo, de adaptação, percepção de mundo e, principalmente, a relação consigo mesmo e com o outro. 

A reflexão tem por base os estudos de Carl Gustav Jung (1875-1961) e alguns teóricos da arteterapia e da criatividade que apresentam conceitos fundamentais acerca da psicologia analítica e sua relação com a arte, faz uma reflexão acerca da expressão da alma, a importância da arteterapia para o desenvolvimento emocional e sua aplicabilidade no setting arteterapêutico, percursos fundamentais para que o sujeito entre em contato com sua expressão subjetiva imbuída de significados, possibilitando o autoconhecimento e o contato com os conteúdos do consciente e aqueles, submersos, do inconsciente.

Palavras chave: Arteterapia. Psicologia analítica. Emoções.

INTRODUÇÃO 

Atualmente a práxis da arteterapia vem ganhando espaço de atuação em vários segmentos institucionais como nas áreas da saúde, educação, social, ONGs, OSCIPs, CAPS, CRAS, CREAS, sistema penitenciário, instituições de integração social e de recuperação. 

A arteterapia está reconhecida pela CBO (Classificação Brasileira de Ocupação) sob o registro 2263-10; isso significa que os profissionais poderão atuar de maneira a serem registrados em carteira de trabalho e prestar concurso público. 

Em meio a tantas situações do dia a dia que acabam afetando a vida emocional das pessoas como o estresse, a ansiedade, quadros depressivos dentre outras psicopatologias percebe-se a necessidade da inserção da arteterapia nos espaços institucionais no sentido de contribuir, de maneira complementar, o desenvolvimento socioemocional das pessoas.

A partir desse pressuposto ressalta a importância do trabalho com arteterapia nos diversos ambientes institucionais; educação, saúde, assistência social, dentre outros… A arteterapia é um recurso imprescindível para o processo de educação socioemocional, integração e fortalecimento de vínculos, principalmente, no desenvolvimento e formação da individualidade, da consciência de si e na relação com o outro, cuidando do emocional, do aspecto intelectual e do cognitivo do ser humano em construção.

É necessário o conhecimento acerca das relações da arte, da psicologia analítica e da expressão criativa sob um olhar da arteterapia e toda sua vasta investigação e contribuição, enquanto área de conhecimento, que aos poucos ganha visibilidade acadêmica e profissional, visando o equilíbrio, o autoconhecimento, a autoestima, os ajustes emocionais e o enfrentamento dos mais diferentes conflitos internos e suas relações humanas.

A prática da arteterapia em diversos espaços, com certeza, estará efetivamente, trabalhando aspectos fundamentais para o desenvolvimento e a educação socioemocional das pessoas, contudo é de suma importância destacar que essa pesquisa faz uma análise geral de como se estrutura e interage a dinâmica da psique em relação à expressão simbólica do ser; em razão da amplidão que envolve os conceitos; não será possível discutir todas as ramificações da psicologia analítica e sua relação com a arte; uma vez que Jung nos alerta determinada cautela ao lidar com exageros conceituais e apegos a fatos não observáveis.

O estudo permeia alguns pressupostos teóricos com base principal nos estudos de Carl Gustav Jung (1875-1961) acerca da valorização da expressão criativa, expressão das emoções subjetivas, processo de individuação e possíveis relações com a arteterapia para o autoconhecimento e a emancipação humana. 

Intervenções essas, absolutamente necessárias ao arteterapeuta, que atendam às necessidades da individualidade do sujeito; ou seja, como a psicologia analítica e a arte como terapia; com sua autonomia de métodos e recursos contribuem para o equilíbrio socioemocional; considerando aspectos biológicos, sociais e cognitivos do ser e valorizando a expressão simbólica e seus desdobramentos emocionais revelados por meio do consciente e do inconsciente que plasticamente são expressados, desconstruídos, reconstruídos e transformados.

EXPRESSÃO DAS EMOÇÕES: POSSIBILIDADES PARA O AUTOCONHECIMENTO

De acordo com Carneiro (2010, p. 13) “a arte é o lugar comum de encontro da humanidade, linguagem universal que conta nossa história e faz do universo psíquico a expressão máxima em sua jornada de autoconhecimento”, contudo, o estudo do símbolo se faz de grande relevância; pois tem, uma relação muito intensa com a vida humana, desde os primórdios, o homem utiliza dos símbolos para representar vários estágios da psique por meio de sua expressão rupestre; podemos dizer que existe uma ponte do inconsciente para o ego, revelando sua íntima comunicação das emoções.

A formação de símbolos governa a capacidade de comunicação. 

Os símbolos são necessários não apenas para a comunicação com o mundo externo, mas também na comunicação interior. Na arteterapia, a expressão livre, estimulada por vários mediadores artísticos adequados, consegue acessar canais do inconsciente, muitas vezes, externando os sonhos, os conflitos, os sentimentos e as emoções, sem se preocupar com a produção estética, esse processo propicia mudanças psíquicas estimuladoras, principalmente ativando o potencial criador do sujeito e a possibilidade de olhar para si, refletir sobre suas emoções; desconstruindo, construindo valores e virtudes para SER melhor. 

Conforme Philippini (2000, p.19) a arteterapia “é um processo estruturado que, por meio de atividades pré-organizadas explorando materiais artísticos, delimitando a abrangência de atuação. Demarcando cronologias, acompanhamento e avaliações”, essa ideia reforça o poder do processo terapêutico e a assertiva relação sujeito-arteterapeuta-expressão.  

Assim, através dos materiais gráficos, das tintas, das colagens, das variadas formas de modelagem, dos fios para tecelagem, dos papéis para dobradura, da confecção de máscaras, da criação de personagens, das miniaturas no tabuleiro de areia, de materiais naturais como folhas, flores, sementes, casca de árvores ou da aproximação e experimentação com elementos vitais como água, ar, terra e fogo e inúmeras possibilidades criativas, surgirão os símbolos necessários para que cada indivíduo entre em contato com aspectos a ser compreendidos e transformados (PHILIPPINI, 2000, p. 19).  

Jung (2013, p. 65) ressalta a relação entre psicologia e arte evidenciando o poder simbólico e o processo criativo como uma energia instintivamente psíquica, o autor profere que “apenas aquele aspecto da arte que existe no processo de criação pode ser objeto da psicologia, não aquele que constitui o próprio ser da arte […] a pergunta sobre o que é a arte em si, não pode ser objeto de considerações psicológicas, mas apenas estético-artísticas.” 

Contudo, é importante salientar, que a arteterapia estabelece uma conexão com as estruturas psíquicas do consciente, do inconsciente e auxilia no processo terapêutico favorecendo a transformação pessoal como cita Urrutigaray (2006):  

O Universo da Arte fundamentado na materialização de imagens mentais, formadas pelas ideias ou ideais, encontra [nos] (…) materiais plásticos, nas performances corporais, na música e etc., o continente para a concretização das necessidades individuais. Por possibilitar o estabelecimento da união entre a sensação de falta sentida pelo indivíduo com o encontro de seus recursos pessoais, vitaliza suas disposições ocultas, direcionando-as para sua superação pessoal (URRUTIGARAY, 2006, p.18).  

  A palavra emoção, segundo o dicionário on-line Michaelis é definida como a “ação de sensibilizar(-se); perturbação dos sentimentos; turbação; reação afetiva de grande intensidade que envolve modificação da respiração, circulação e secreções, bem como repercussões mentais de excitação ou depressão.”  

De acordo Dorin há uma distinção entre sentimentos e emoções: 

Os estados emocionais e sentimentais formam a afetividade um dos aspectos do comportamento humano. Por sentimento entendemos o estado afetivo, brando de prazer, desprazer ou indiferença. São disposições de prazer ou desprazer em relação a um objeto, pessoa ou ideia que vem a formar os sentimentos. 

Distinguem-se das emoções por serem reações mais calmas e com uma experiência mais complexa com mais elementos intelectuais (DORIN, 1972, p. 139). 

 Contudo, é importante reforçar a importância da arteterapia para trabalhar o campo das emoções, seus ajustes e principalmente, o equilíbrio emocional; uma vez que o processo arteterapêutico desenvolve recursos emocionais conforme cita a Associação Americana de Arteterapia (American Association of Art Terapy):  

A arteterapia baseia-se na crença de que o processo criativo envolvido na criatividade artística e terapêutica é enriquecedor da qualidade de vida das pessoas. Arteterapia é o uso terapêutico da atividade artística no contexto de uma relação profissional por pessoas que experiencia, doenças, traumas ou dificuldades na vida, assim como por pessoas que buscam desenvolvimento pessoal. Por meio do criar em arte e do refletir sobre os processos e trabalhos artísticos resultantes, pessoas podem ampliar o conhecimento de si e dos outros, aumentar sua autoestima, lidar com sintomas, estresse e experiências traumáticas desenvolver recursos físicos, cognitivos e emocionais e desfrutar do prazer vitalizador do fazer artístico. (AMERICAN ASSOCIATION OF ART TERAPY, 2003) 

Como cita Ciornai (1995) a arteterapia é o processo que o sujeito entra em contato com o seu mundo interior. A autora sinaliza bem a ideia do contato consigo mesmo pelos recursos da arteterapia e a expansão da consciência para uma educação emocional: 

Tanto na arte como nos processos terapêuticos se manifesta a capacidade humana de perceber, figurar e reconfigurar suas relações consigo, com os outros e com o mundo. Retiramos a experiência humana da corrente rotineira e por vezes automáticas do cotidiano, estabelecendo novas relações entre seus elementos, misturando o velho com o novo, o conhecido com o sonhado, o temido com o vislumbrando, trazendo assim novas integrações, possibilidades e crescimento – novas “informações”, isto é, a formação de figura que criam um novo saber. São, portanto, caminhos do conhecer humano, caminhos de criação, ampliação e transformação de conhecimento. 

A arte facilita esses processos pela natureza dos processos que lhe são próprios (lidamos literalmente com figuras, configurações, espaços, movimentos, etc.) e também porque provê uma “realidade alternativa”, em que eximidos das consequências que a realidade do cotidiano nos impõe, podemos relaxar nossas defesas e nos permitir contatar, sentir, elaborar e expressar, o que de outra forma nos configuraria perigoso ou ameaçador. (CIORNAI, 1995, p. 61) 

 Por meio da Arteterapia o sujeito vivencia uma experiência nova; passa a observar suas expressões passíveis de significados, ou seja, o simbólico passa a exprimir e traduzir suas emoções pelas vias da expressão criativa; conforme Andrade (2000) orienta: 

O efeito terapêutico dos diversos trabalhos com expressões artísticas terá que ser definido a partir da técnica: o fazer artístico e não conforme um modelo dado por uma determinada corrente em psicologia, citando-se o tratamento psicanalítico e a situação específica do trabalho com o divã que produz uma situação que resulta em efeitos “terapêuticos”. A arte também pode fazer isso através da produção de situações bastante diversas do “divã” psicanalítico. (ANDRADE, 2000, p. 44) 

Os estudos junguianos e sua abordagem sobre a valorização do simbólico, do  desenvolvimento da personalidade e do processo de individuação perpassam por importantes construtos entre os quais: o ego, o inconsciente pessoal (registros da história pessoal), o inconsciente coletivo (registros da humanidade) e os quatro arquétipos fundamentais: a persona, o animus e a anima, a sombra e o self se interagem e se organizam, contribuindo para o processo de formação do ser, do desenvolvimento da personalidade e da busca da autorrealização. 

Segundo Silveira: 

Arquétipos são possibilidades herdadas para representar imagens similares, são formas instintivas de imaginar. São matrizes arcaicas onde configurações análogas ou semelhantes tomam forma. […] 

Do mesmo modo que existem pulsões herdadas a agir de modo sempre idêntico (instintos), existiriam tendências herdadas a construir representações análogas ou semelhantes. […] o Arquétipo funciona como um nódulo de concentração de energia psíquica.

Quando esta energia, em estado potencial, atualiza-se, toma forma, então teremos a imagem arquetípica. Não poderemos denominar esta imagem de arquétipo, pois o arquétipo é unicamente uma virtualidade. (SILVEIRA, 1974, p. 77-78)  

Sinteticamente os arquétipos são conteúdos que foram gravados pelo inconsciente coletivo e norteiam a ação humana; imagens que se repetem ao longo da própria história humana e que são revelados por ações comportamentais; conforme escreve Jung: 

Existem tantos arquétipos quantas as situações típicas da vida. Uma repetição íntima gravou estas experiências em nossa constituição psíquica, não sob a forma de imagens saturadas de conteúdo, mas a princípio somente como formas sem conteúdo que representavam apenas a possibilidade de um certo tipo de percepção e de ação. (JUNG, 2000, vol. IX, p. 48) 

O simbolismo expresso pelo sujeito no processo arteterapêutico, por meio da materialidade adequada, acessam canais do inconsciente, e muitas vezes, revelam conteúdos arquetípicos que estão submersos e por meio do processo arteterapêutico são ativados e externados pela expressão criativa. 

De acordo com Philippini (1997): 

Os símbolos são entidades psíquicas que reúnem determinada carga de energia e a transformam de inconsciente em consciente e vice-versa, tem um papel central não só na estruturação da consciência, como também em todos os fenômenos que decorrem do processo de estruturação’(….) 

No processo arteterapêutico é fundamental a observação de símbolos que surjam durante o processo,pois são caminhos para o inconsciente profundo. É importante como terapeutas não atribuirmos significado imediato aos símbolos expressos em terapia, devemos nos “livrar” dos clichês e de interpretações imediatistas. 

Devemos observá-los levando em consideração o contexto em que o paciente se encontra, sua realidade, suas crenças, contexto social e cultural, assim apesar do significado universal de alguns símbolos devemos ficar atentos a significação atribuída a esses através da ótica do paciente que supostamente vem se desvelando no processo terapêutico. 

O sentido de um símbolo contido em imagens plásticas normalmente é dado por toda uma sequência. (PHILIPPINI 1997, p. 17) 

O arteterapeuta e o cliente traçam percursos que integram o ego acessando esses conteúdos e propiciando caminhos para estimular a expressão criativa subjetiva, conforme explica Santa Catarina (2011):  

O arteterapeuta, por meio do fazer artístico, vai mostrando o caminho e auxiliando a pessoa a descobrir quem ela é. Confrontando o consciente com o inconsciente, torna cada aspecto de sua personalidade à luz de sua consciência, de modo que se possibilita unir cada parte do seu ser em uma síntese integrada, permitindo que o indivíduo se sinta inteiro, sinta-se um ser que coopera com a obra do criador, que é viver livremente sem amarras e sem conflitos. No desenrolar do processo arteterapêutico, há quebras de resistências inconscientes, que, de forma lúdica, ali vão sendo projetadas. 

Desta forma, os conteúdos mais profundos vão emergindo a consciência, estes depois serão decodificados e analisados em nível de insights, possibilitando assim a auto transcendência do eu pessoal. (SANTA CATARINA, 2011, p. 15-16) 

O foco do processo arteterapêutico é a expressão dos sentimentos a busca da auto transcendência, sem julgamentos; o processo de imersão, externado pela auto expressão possibilita que o sujeito se reorganize, se estruture emocionalmente e ajude no caminho da individuação. 

Para isso é de fundamental importância a mediação do arteterapeuta e os mediadores expressivos adequados como propõe Ciornai (2004): 

A linguagem, os materiais e os instrumentos em muito vão estimular a criatividade. 

É a relação do ser humano com essa matéria que a potencializa e transforma.

O homem e a matéria interagem e atuam em sua energia criativa, e ambos se modificam nessa relação. Há um diálogo, às vezes uma “briga”, encontros e desencontros, em que o tempo e a dimensão espacial se transformam. 

Entre embates e buscas, a criação se processa e o indivíduo vai podendo ver na matéria o que vem de seu mundo subjetivo e de seu olhar mais consciente, percebendo sua atuação em outros momentos da vida, sentindo e conscientizando do que aquelas imagens que formam ali à sua frente significam. (CIORNAI, 2004, p.72) 

Segundo Jung (1978) o processo de individuação é complexo seguido por fases e certas dificuldades: 

A individuação significa tornar-se um ser único, na medida em que por “individualidade” entendemos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si-mesmo. 

Podemos dizer, pois, traduzir “individuação” como “tornar-se si mesmo” (Verselbeting) ou “ realiza-se do si-mesmo” (Selbstwerwiklichung). (JUNG, 1978, vol. XII, p. 49) 

Esse processo gera um conflito no indivíduo; o movimento para a realização, para o autoconhecimento, no entanto, conforme cita Silveira (1974) “todo ser tende a realizar o que existe nele, em germe, a crescer, a completar-se. Assim é para a semente do vegetal e para o embrião do animal. Assim é para o homem, quanto ao corpo e quanto a psique.”  

A arteterapia auxilia nesse processo de individuação; autoconhecimento e desperta o tornar-se uma pessoa melhor, da expansão da consciência e da organização de conteúdos inconscientes individuais e coletivos, que vão interferindo, de maneira constante e sutil na percepção das emoções e da subjetividade. A autoexpressão expande o autoconhecimento, favorecendo física, emocional e socialmente; conforme afirma Phillipini (2000): 

Pois, a Arteterapia auxilia a resgatar desbloquear e fortalecer potenciais criativos, através de formas de expressão diversas, ademais facilita que cada um encontre, comunique e expanda a seu próprio caminho criativo e singular, favorecendo a expressão, a revelação e o reconhecimento do mundo interno e inconsciente. 

Destaca ainda, que em Arteterapia com abordagem Junguiana, o caminho será fornecer suportes materiais adequados para que a energia psíquica plasme símbolos em criações diversas. 

Estas produções simbólicas retratam múltiplos estágios da psique, ativando e realizando a comunicação entre inconsciente e consciente. Este processo colabora para a compreensão e resolução de estados afetivos conflitivos, favorecendo a estruturação e expansão da personalidade através do processo criativo (PHILIPPINI, 2000 apud XAVIER, 2012).  

É importante destacar que o processo de individuação está veiculado com a formação da personalidade consciente, e que, fundamentalmente, isso acontece, na infância e evidentemente no processo escolar do indivíduo e vai se alicerçando ao longo da vida. Na infância, quando o indivíduo começa a romper os laços da psique maternal e paternal geridos fortemente sobre sua psique, não podemos dissociar o processo de individuação com o ambiente escolar, principalmente na relação professor-aluno. 

Para Jung, estava fora de dúvida que os professores constituem as influências mais poderosas sobre a individuação da criança, sobrepujando até mesmo as dos pais. Os professores são, ou deveriam ser treinados para trazer para a consciência o ego inconsciente dos alunos[…] (HALL, NORDBY, 2014, p. 76) 

Jung (1972) enfatiza a importância da intervenção profissional no processo educativo e expressivo do indivíduo; e aqui, enfatizamos, o papel do arteterapeuta e suas possiblidades de atuação, salienta a importância da infância, uma vez que a escola é o primeiro ambiente que a criança encontra fora de casa e destaca que: 

O conhecimento psíquico mais aprofundado, por parte do professor, não deveria jamais ser descarregado diretamente sobre o aluno, como lamentavelmente talvez aconteça. 

Tal conhecimento deve em primeiro lugar ajudar o professor a conseguir uma atitude mais compreensiva em relação à vida psíquica da criança. (JUNG, 1972, vol. XII p. 59) 

Independentemente do espaço em que a arteterapia é aplicada, e a faixa etária envolvida, consideravelmente, é necessária a observação e atenção especial, por parte do arteterapeuta, sobre as diversas dimensões humanas física, psíquica e espiritual e principalmente, com a perspicácia, de que, quem vai construir o próprio processo é o sujeito.  

Com a mediação adequada do profissional em arteterapia, não obstante, o ajudará na compreensão, no controle das emoções, no contato consigo mesmo e consequentemente na evolução como pessoa humana, dotada de sentimentos, e principalmente, de maneira mais lúdica, com seu mundo interior e com suas sombras, que são, muitas vezes, bloqueadas e racionalizadas pela expressão verbal, o que na arteterapia, a possibilidade de expressão se torna mais rica e prazerosa. 

A arteterapia favorece a imersão em si mesmo, pela criatividade, pelos sentidos mais aguçados do sujeito que o envolve de maneira confortável e acolhedora no processo do contato com as próprias emoções e na busca da individuação como ser humano dotado de expressão que só a alma pode revelar. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a amplitude dos estudos de Jung e a expressão simbólica do sujeito como ferramenta imprescindível no trabalho arteterapêutico, percebe-se que a psicologia analítica tem muito a contribuir para o campo da arteterapia, principalmente no que tange sobre a importância da criatividade e da expressão pura e genuína, simbolicamente expressadas pela materialidade resultante do acesso ao conteúdo do consciente e do inconsciente, favorecendo o autoconhecimento e o equilíbrio emocional para a evolução do processo de individuação do ser. 

Ao abordar essa temática percebe-se a necessidade da compreensão do sujeito como um ser holístico que expressa suas emoções por meio da arte, e muitas vezes, nem se dá conta disso, enquanto pessoa, não só do ponto de vista intelectual; mas, importante considerar aspectos emocionais, sensitivos, sentimentais e intuitivos.

Isso contribuirá para a formação mais completa do indivíduo, contudo, o arteterapeuta tem um papel importante no desenrolar do processo de autoconhecimento, expressão, mediação e da linguagem não verbal expressa pelo sujeito; considerando suas habilidades e desenvolvendo suas competências para o desenvolvimento cognitivo, criativo, sensorial e principalmente emocional. 

Há necessidade de trabalhar com as emoções expressas no setting arteterapêutico, novos desafios para a construção do autoconhecimento dos profissionais da arteterapia e suas diversas práticas, elenca novas possibilidades na relação arteterapeuta/cliente tendo um olhar mais sensível e humano no sentido de respeitar as individualidades e pensar que não somos iguais, que cada um tem habilidades e comportamentos inerentes, e que devem ser respeitados e sintonizados com práticas expressivas diversas que iluminam sua existência e os fazem se tornarem mais pessoas, em busca da autorrealização lidar com as emoções.  

REFERÊNCIAS 

ANDRADE, l. Q. Terapias expressivas. São Paulo: Vetor, 2000. 

CARNEIRO, Celeste. Arte, neurociência e transcendência. Rio de Janeiro: Wak, 2010. 

CIORNAI, S. Arte-Terapia: o resgate da criatividade da vida. IN. CARVALHO, M. M. A arte cura? Recursos artísticos e psicoterapia. Campinas-SP: Editorial Psy II, 1995. 

CIORNAI, S. Percursos em arteterapia. São Paulo: Summus, 2004. 

DORIN, L. Introdução à psicologia. São Paulo: Editora do Brasil, 1972. 

HALL, C. S. e NOEDBY, V. Introdução à psicologia junguiana. São Paulo: Cultrix, 2014. 

JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. OC. Vol. XVII. Petrópolis: Vozes, 1972.    

JUNG, C. G. O eu e o inconsciente. OC. Vol. VII. Petrópolis: Vozes, 1978.   

JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconscinete coletivo. OC. Vol. IX. Petrópolis: Vozes, 2000. 

JUNG, C. G. Tipos psicológicos. OC. Vol. VI. Petrópolis: Vozes, 2008.   

JUNG, C.G. O espírito na arte e na ciência. OC. Vol. XV. Petrópolis: Vozes, 2013. 

MICHAELIS. Moderno dicionário de língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2021. Disponível em https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/emo%C3%A7%C3%A3o/ acesso em 06 de julho de 2021. 

PHILIPPINI, A. Cadernos de arteterapia. Rio de Janeiro: Pomar, 1997. 

PHILIPPINI, A. Cartografias da coragem: rotas em arte terapia. Rio de Janeiro: Pomar, 2000. 

SANTA CATARINA, M. Mandala: o uso na arteterapia. Rio de Janeiro: Wak, 2011.  

SILVEIRA, N. Jung: Vida e Obra.Rio de Janeiro: José Álvaro editor, 1974. 

URRUTIGARAY, M. C. Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens. Rio de Janeiro: Wak, 2006. 

XAVIER, F. S. O que é a arteterapia de abordagem junguiana –  Psique Objetiva, 2012. Disponível em https://psiqueobjetiva.wordpress.com/2012/09/03/o-que-e-a-arteterapia-de-abordagem-junguiana/ acesso em 05 de março de 2021. 


Cite como:ADILSON JOÃO ANSELMO. (2023). Arteterapia Junguiana: Da Educação Das Emoções Ao Processo De Individuação. Revista TH, XIII(80). https://doi.org/10.5281/zenodo.8397114

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